No ponto mais alto do mapa brasileiro, onde o vento sopra em idioma Macuxi e o céu amanhece em cantos Wapichana, uma pequena cidade indígena acaba de assumir um papel de protagonista global. Uiramutã, com menos de 12 mil habitantes e quase 100% de território indígena, foi escolhida como o primeiro município do Brasil a dar o passo inaugural rumo aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU — os tão falados ODS.
Mas por que começar por aqui, tão longe dos centros políticos e econômicos do país? Justamente por isso.
“Se quisermos um futuro sustentável, ele precisa nascer onde a vida pulsa em equilíbrio com a terra há séculos”, declarou Lavito Person Motta Bacarissa, da Comissão Nacional para os ODS, durante uma cerimônia que mais parecia um encontro entre mundos: o institucional e o ancestral.
Em Monte Moriá I, uma das comunidades indígenas de Uiramutã, danças circulares se entrelaçaram a discursos de esperança. Cânticos ecoaram entre árvores centenárias e crianças apontavam para maquetes feitas com papelão reciclado, explicando, com brilho nos olhos, o que significa cuidar da floresta como quem cuida da própria avó.
“Estamos escrevendo uma carta para a COP30, mas também estamos escrevendo o futuro com a tinta das nossas raízes”, disse a professora Leny Costa, coordenadora de projetos que unem educação indígena, meio ambiente e ciência.
Os temas dos ODS — como educação de qualidade, igualdade de gênero, energia limpa e combate à fome — foram apresentados não como metas distantes, mas como práticas vivas: nas hortas comunitárias, nas rodas de contação de histórias, nas oficinas de artesanato com sementes e na construção de saberes bilíngues, onde o português é hóspede e não senhor.
A iniciativa foi saudada pelo prefeito Benísio Rocha como “um reconhecimento histórico” e vista por lideranças indígenas como uma chance real de influenciar políticas públicas que, até aqui, pouco chegaram aos confins da floresta.
Uiramutã, até ontem um ponto quase invisível nas estatísticas nacionais, agora é a bússola do Brasil rumo a 2030. E talvez seja simbólico — e necessário — que o futuro sustentável do país comece exatamente onde a terra ainda é chamada de mãe, e o progresso não seja medido apenas em concreto, mas em cuidado.